terça-feira, 13 de maio de 2008

O lamento da vitrola

Nesta segunda, o Brasil amanheceu mais triste. Olhos inchados (inclusive os meus) de quem chorou por alguém que não conheciam há um mês, que nunca trocaram, sequer, uma única palavra. Por alguém que só viram através da TV em qualquer canal desejável, protagonizando uma triste história que resultou em sua morte. O “caso Isabella” deixou os brasileiros perplexos por tamanha crueldade. Uma onda de indignação precipitava dos lares de cada um que assistia, todos os dias, a cobertura minuciosa que os telejornais traziam. Como um ritual a ser seguido religiosamente, a tragédia era repetida insistentemente como um disco velho emperrado na vitrola.

Neste último domingo, dia das mães, recebemos em nossos lares a visita da mãe mais esperada desde o último 29 de março. Ana Carolina de Oliveira, mãe de Isabella, foi ouvida por ouvidos atentos e vista por olhos mareados. Numa entrevista chocante, vimos o sofrimento de uma mãe que não pôde esquecer, por um segundo que fosse, a tragédia que levou a morte de sua única filha de apenas cinco anos.

O efeito do dia seguinte não poderia ter sido melhor. A entrevista transcorreu com o sucesso esperado (e insistido). Os comentários nas casas, ruas e instituições sempre convergiam para o mesmo assunto, a entrevista EXCLUSIVA do Fantástico. A jornalista Patrícia Poeta, atual apresentadora do programa, desempenhou o papel de porta-voz mais fiel do interesse do público, que a essa altura, já esperava com o lenço em mãos ao primeiro sinal de emoção de Ana Carolina.

O público não segurava seus lenços por simples imaginação que eles lhes seriam úteis. Mas por que sabiam, pelo histórico jornalístico dos últimos tempos, que a entrevista seria levada, com única e exclusiva intenção, a fazer correr lágrimas nas fases do telespectador. Naturalmente não seria de se esperar outra reação, além de lágrimas, de uma mãe que há um mês perdeu sua filha brutalmente. Mas, numa completa falta de respeito a sua dor, Ana Carolina não teve outra opção: ou daria a entrevista, ou seria marcada como uma mulher fria e calculista, numa imagem construída por uma mídia cada vez mais despreocupada com fatos reais, com pessoas reais.

Obrigada a aceitar a insistente entrevista, Ana Carolina foi mais uma personagem no espetáculo dirigido pela Rede Globo. A manifestação pública de sentimentos tornou-se regra nas empresas de comunicação em detrimento de fatos e de opinião pública. Esse deslocamento de posição, não passa de mais uma estratégia política para garantir a docilidade do público cada vez mais isento das decisões de INTERESSE público e cada vez mais sentimental.

Maktube


“É... Na verdade eu me sinto um tanto envergonhada... Pois é! É exatamente por isso que você está pensando. A mais de um mês que eu não “passo” por aqui. Por tanto, devo minhas mais sinceras desculpas a quem ainda não desistiu (e a quem já desistiu, apesar de saber que eles não verão essas desculpas...) de dá uma olhadinha, de vez em quando, neste Blog.”


Digo logo! Custa-me acreditar em “instinto materno”. Talvez, as mulheres que DECIDEM ser mães adquiram esse potencial verdadeiramente admirável, mas, categorizar como algo tatuado em sua “natureza” realmente me custa acreditar. Mas pondo isso de lado, e mesmo sem encontrar ainda uma explicação, esse mês de maio, “mês das mães” (*.*), faz de mim uma MULHER bastante reflexiva.

Pensando bem, a explicação para esse momento de “devaneio” pode está aí, ser mulher. O que é uma pena, afinal, seria tão mais interessante ver homens participando mais do complexo bojo de decisões que é a vida daquela: ser simplesmente mulher, ou se transfigurar em esposas, nas noites quentes; em trabalhadoras, nos dias ensolarados; e em mães, nas madrugadas insones.

Inflexíveis, os papéis desempenhados pelas mulheres desencadeiam seqüências de alarmantes dificuldades no que se refere, principalmente, ao processo histórico de sua emancipação. Com a falta de compartilhamento que os homens e a sociedade tem na maioria das funções consideradas eminentemente femininas, como as responsabilidades com a família, a sobrecarga suportada por elas torna-se preocupante, mas ainda a poucos olhos.

A turva percepção da situação social da mulher revela um contexto recheado de preconceitos e uma divisão social de tarefas baseada no gênero. A baixa oportunidade e autonomia econômica, além de uma irrisória participação no processo de tomada de decisão e seu limitado acesso ao poder, fazem o número de mulheres pobres aumentar consideravelmente em relação aos homens.

Um agravante dessa situação é o inaceitável número de adolescentes grávidas. A maternidade precoce não só limita a melhoria da condição educativa da mulher, como agride a situação de vida daqueles que apenas começam a sentir seu gosto, as crianças. A desnutrição materna e a falta de acompanhamento médico, pré-natal, resultam em sérios problemas de saúde aos filhos. Não é sem motivo que a mortalidade é maior nos filhos de mães jovens, que em sua maioria também são pobres.

Recorrer ao aborto para escapar e não permitir que suas crianças vivam na extrema miséria é a mais desesperada atitude de uma mulher grávida em situação de calamidade. Os abortos clandestinos são praticados na sua imensa maioria por jovens, pobres e negras. Essa atividade ilegal representa um dos maiores problemas de saúde PÚBLICA que muitos países, incluindo o Brasil, convivem a cada dia sem que seja dada sua devida atenção. A clandestinidade do aborto causa seqüelas permanentes como a infertilidade e representa um dos maiores índices de mortalidade materna.

Por não encarar os DIREITOS sexuais como mais um dever a ser gerido pelo Estado - sendo entendido como direito constitucional à saúde -, muitas mulheres carregam a culpa e são punidas por recorrer à clandestinidade por falta de assistência. A imposição que a mulher sofre para manter uma gravidez indesejada, não apenas agride seu direito à saúde como também seu direito à liberdade.

Reconhecer a competência da mulher em decidir sobre sua sexualidade e maternidade é um respeito aos direitos humanos. Essa falta de respeito denuncia ainda o grau de desigualdade com que é tratado homens e mulheres na responsabilidade da concepção. A criminalização do aborto exclui os homens dessa responsabilidade e condena a mulher como a única “culpada” pela gravidez. Não se considera também a absurda imposição sexual masculina na hora de negociar o ato sexual como uma resultante da gravidez indesejada.

A moralidade social caduca, sobretudo a religiosa, permanece cega e irredutível sobre os fatos. Fatos esses que mostram mulheres condenadas a uma vida não planejada e crianças morrendo desnutridas ou de doenças que poderiam ser evitadas. A igreja condena o uso de contraceptivos e condena o aborto. Um ato de completa ignorância e descompasso com a realidade.

A existência não é dada. Ela se faz, se constrói. A vida é uma projeção para o ser, que por sua vez só o é, com atos. Sem isso ela não é nada, é só, talvez, uma vida em potencial. Legalizar o aborto é um ato de justiça social. É a preservação da vida em plenitude, da vida que acontece. Da vida de quem deve ter o direito de escolher ser mãe, numa atitude livre e responsável. Obrigar uma mulher a ser mãe é um ato conservador que encara a maternidade como um dever e não como uma forma de amor.